Buba
13 junho 2006
  SE ALGUÉM CHAMA POR NÓS NÃO RESPONDEMOS,
SE ALGUÉM NOS PEDE AMOR NÃO ESTREMECEMOS,
COMO FRUTOS DE SOMBRAS SEM SABOR,
VAMOS CAINDO NO CHÃO, APODRECIDOS.
EUGÉNIO DE ANDRADE


1.-Tia Amélia A minha tia Amélia que era descendente, em linha recta, da Padeira de Aljubarrota, contava-me uma vez - na voz altisonante que usava nas Feiras e os olhos a brilhar (lindos olhos negros tinha a minha tia Amélia): “… era como se fosse noite e de repente tivesse chegado a luz do dia” dizia ela – referindo-se a um advogado muito célebre de Lisboa - marreco - que era mesmo bom no “Correccional” e nesse tempo – anos 50 – muito popular entre os inquilinos…
Minha tia tinha-se metido numa alhada com oficiais do mesmo oficio – feirantes – e contratou o marreco para a defender. Aquilo parece que foi “o bom e o bonito”: - na sala de audiências, no dia do julgamento, ao que me disseram, foi tal a berratina da minha tia Amélia, e dos membros de várias tribos de ciganos envolvidos na lide, que o trânsito parou na Almirante Reis. Ficou célebre… Depois disso a minha tia continuou, como sempre, a percorrer as feiras – não havia cigano que lhe pusesse o pé à frente… – corria o país embora tivesse tido sempre “banca” permanente na Feira da Ladra, a vender roupas, incluindo fardas e condecorações de sargentos e oficiais falecidos (que as viúvas pobres lhe vendiam) para além de fardas de “praças”, roubadas, penso eu: - (é que, muitos dos “magalas”quando passavam à “peluda” arranjavam maneira de não entregar os fardamentos - ou eram autorizados a ficar com eles) – não sei… O que sei é que a minha tia Amélia era uma espécie de sucursal civil do “Casão”, (Oficinas Gerais de Fardamentos e Calçado.) que ficava a cerca de 100 metros da “tenda” da minha Tia Amélia que “fardava” – de alto a baixo: - bivaque, camisa, botas, calças, dólmen, eu sei lá… – por macuta e meia os rapazes que iam para a tropa como milicianos e depois de saírem iam trabalhar nas obras.
…Sempre que via a minha tia Amélia, lembrava-me a letra dum fado de Coimbra: “…as tuas olheiras negras/ dão mais brilho ao teu olhar, / se não fora a noite escura / o que seria o luar…”

Não tinha nada: - deu sempre tudo o que tinha ao único filho que teve e que morreu, muito novo, espatifado na estrada. Para ela a vida deixou de fazer sentido… Envelheceu. Puseram-na num Lar miserável, em frente de uma janela, na corrente de ar…a ela – que foi a rainha das feiras e a rival respeitada dos ciganos – jazia agora, sozinha, num catre, como qualquer desgraçado, sem eira nem beira, quando chega ao fim da linha...
Não fiz nada por ela. Ninguém fez. Que posso eu fazer agora? Chorar? Rezar? Vale a pena? Querida Tia Amélia… Tenho tantas saudades tuas.

2.-O Meu Tio Manuel
Foi o melhor amigo que tive na vida. Desde miúdo. Desde sempre. O meu Tio vivia, nessa altura, em casa da minha avó, onde eu nasci. Ia lá dormir com ele muitas vezes, enquanto foi solteiro. Depois casou e veio viver para a Azinhaga para uma casa que o meu pai lhes alugou. Aos Domingos, à hora de almoço, contava-me as aventuras do tempo em que era solteiro: - os despiques, as cenas de porrada em que ele intervinha por causa dos ciúmes entre os rapazes na disputa dos favores das raparigas nos bailaricos dos fins-de-semana. Descrevia-me como se estivesse a contar um filme todas as cenas das zaragatas em que se envolvia e das quais saía sempre vencedor… e descrevia-me, também, em pormenor, as grandes jogadas dos desafios em que o Benfica, tinha cilindrado sempre o Sporting uns pernetas, uns aleijados que uma vez ou outra tinham tido sorte mas que não jogavam nada. Mais tarde – anos 40 – já eu estava na tropa íamos ao box no Parque Mayer: era o Belarmino… O Belarmino era engraxador e, volta e meia, ia “combater”; - “levar na tromba”, como ele dizia. O meu tio adorava…
Entretanto saí de Lisboa e o tempo, demasiado tempo – e a vida – foram passando; e a certa altura, quando regressei, já não tive coragem de ir procurar o meu tio: - tive vergonha; - e, ao mesmo tempo, receio de que, o seu ressentimento, justificado, pudesse estragar a nossa amizade, as nossas recordações… E não fui. Não fui capaz…
O meu Tio não tinha filhos, o único “filho” que teve na vida fui eu: - o sobrinho, o seu ídolo. Ele, que era pobre, foi a meu favor que fez, ou quis fazer, testamento. Era de mim que ele esperava tudo para concretizar, na vida, aquilo que ele nunca tinha podido ser...
…Tenho a certeza de que até morrer, o meu Tio esperou sempre que eu, num dia qualquer, aparecesse. Sem ser esperado. Não aconteceu. Envenenou-se… tinha 80 anos.
…Ia jurar que, enquanto bebia o veneno, pensou em mim… Não sei se me perdoou… mas sei – e Deus também sabe – que não tenho perdão, porque, ao trair a nossa amizade, fui eu que o matei. Sem motivo: - a ele, o meu tio Manuel, o maior amigo que tive na vida.


VEJAM SÓ

Se as crianças são ou não a melhor coisa do mundo …
Transcrevo a seguir o teor da carta que os meus amigos do 4º ano da Escola E.B.1 da Junqueira, Vila do Conde me mandaram em resposta à que lhes enviei com a História do Carvoeirito. Com um abraço apertado, o meu obrigado à Mila do blogue Netscrita.

Quarta-feira, Junho 07, 2006
                                                Para o avô Salvador

Os pequenotes receberam uma lembrança do avô Salvador e quiseram agradecer-lhe.

                      

Querido avô Salvador:
Ficámos muito felizes por saber que o avô Salvador não se esqueceu de nós.
Queremos agradecer a sua história, apesar de não estar acabada... mas nós continuámo-la porque achámos graça, divertimo-nos e aprendemos.
Aprendemos muito com a sua história, como por exemplo, o que é um almocreve, o que é ser "filho de rei por nascimento", o que era o serão da corte, a capa de arminho, o ceptro, e que há histórias com outra história dentro, como esta do Carvoeirito.
Continuámos esta linda história para lhe agradecer e também para lhe dar a conhecer como termina.
A Maria André, o Lino, o Nuno e o Pedro foram os nossos colegas que terminaram a história. Os outros não o fizeram mas prometem ilustrar os quatro finais diferentes que foram escritos e que serão aqui publicados.

(Catarina, Cláudia, Fátima, Lino, Maria André, Marta, Nuno, Pedro, Roberto, Rui e Tânia, 4.º ano, Escola EB 1 da Junqueira)
publicado por Emilia às 1:00 AM 
salvadorprata@netcabo.pt

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