Do mar que vem lavar-se no rioDO GUINCHO E DA CAPARICA.I . Quando era novo gostava de ir. Devagar, pela marginal, entre Cascais e o Guincho… e um pouco antes de lá chegar, encostar o carro e lá onde, um pouco mais abaixo, ir sentar-me nas rochas a ver o mar… e a certa altura “sentir” que o mar também me tinha visto a mim e que vinha a correr como se eu fosse alguém muito íntimo de quem tivesse estado longo tempo separado, a uivar sons, rugidos cavos misturados com gritos de alegria a desfazer-se louco, nos rochedos, em ondas alterosas e em nuvens de chuva miudinha como se fosse nevoeiro. Fascinado, rendido, entregava-me a ele a balbuciar, como se me dissesse a mim próprio um segredo que só ele conhecia: “ É espantoso! “.
E ficava a vê-lo, esquecido de tudo a desfazer-se em colunas de espuma nas grutas, nos buracos, que ao longo dos anos foi abrindo nas rochas, onde eu sentado ficava a olha-lo, fascinado…
Depois o tempo foi passando e sem saber como, aconteceu que nos últimos anos nunca mais fui ao guincho ver o mar. Não sei se lá voltarei mais alguma vez. Já me faltam as forças. E sobretudo falta-me cada vez mais a coragem e tenho medo de lá ir e não o ver ou ver que entretanto terá envelhecido também.
II - Um destes dias resolvi sair do fojo e fui – de autocarro – até à Caparica. Já na muralha, toalha à cintura, toca a tirar o calção e a enfiar a trousse e se cair, caiu…
… Há 50 anos, na Figueira, por vezes, os do jet set – e contra o que era costume e “decente” nesse tempo – faziam a muda do calção pela trousse, fora das barracas pondo uma toalha à volta da cintura; e se, por inabilidade ou propositadamente, deixavam, cair a toalha, ficavam, como é obvio, com o”coiso” a descoberto. E claro, as senhoras e as meninas, – pudicas e recatadas como eram nessa altura, – punham uma das mãos à frente, – ora dum olho ora de outro – como se estivessem a testar qual dos dois via melhor: “Que horror!”. E depois, no dia seguinte era vê-las a olhar disfarçadamente pelo canto do olho, quando, os do jet chegavam à praia, a ver se algum deles deixava cair a toalha…
Claro que comigo, na Caparica não se punha tal hipótese; hoje ninguém olha para ninguém. Os tempos são outros… E se por acaso a toalha me caísse, das duas uma: as mulheres mais idosas, – (à volta dos 20 anos…mais coisa menos coisa) – já “traquejadas” em avaliações de bardalos de todos os tamanhos e feitios nem pestanejavam: e das mais novinhas, muitas delas também já putas batidas, – estou a vê-las a rir às gargalhadas. Da insólita e triste figura do que me ficou do dito cujo depois de "tantos tantosque labores", sonhos, negas e desilusões... E tudo bué, numa boa…
Da minha ida à Caparica mandei um e-mail ao meu neto:
Ivan
“Fomos à Costa. O tempo estava esplêndido. Molhei as pernas e sobretudo vi o mar, conversei com as ondas. Foi bom. Para mim olhar o mar, sozinho, dizer-lhe os meus segredos, os meus desgostos, as minhas frustrações a minha certeza desde sempre que não pertenço a este mundo. E o mar a dizer-me também o que lhe vai na alma ora em murmúrios das ondas a estender-se preguiçosas. Quando o sol se põe nelas e dentro delas se vai apagando ao fim do dia...e elas ora caprichosas aos gritos em estremeções violentos como as mulheres quando loucas de desejo e outras vezes ainda como as crianças a falar umas com as outras, falas que só elas entendem ou a falar comigo dos meus sonhos da minha esperança, das minhas ilusões que elas levaram nas marés não sei para onde. O avô”.