Buba
18 abril 2006
  O Vedo

O Vedo tinha carraças mas ninguém ligava… E acabou por ser o Ti Alberto, “Caga Milhões” – a quem o caso chegou aos ouvidos – que, com medo que o Vedo “pegasse” as carraças ao filho, mandou ir um carroceiro à escola e trazer o Vedo. E o Vedo veio…que remédio. E chegados à cocheira o Senhor Alberto mandou ao ferrador que queimasse as carraças do Vedo. E o ferrador assim fez: espevitou a forja e quando o ferro ficou em brasa, começou a fritar as carraças com ele como se estivesse a ferrar uma besta: as orelhas do Vedo fumegaram como se fossem os cascos duma cavalgadura… só que em vez do habitual cheiro a corno queimado, as orelhas do Vedo cheiravam a carne assada na brasa. Foi remédio santo: - das carraças só ficou o sítio e nas orelhas do Vedo a cicatriz das queimaduras do ferro…

Os pais do Vedo nunca se preocuparam com as carraças do filho: nem antes nem depois da “cauterização”.
Que, na Escola, o Vedo era bem comportado e nunca tinha dado razão de queixa ou a qualquer ainda que leve reparo. E as carraças também não… O Ti Alberto é que, e sem que alguém o esperasse, levantou o problema por causa do filho. E sem razão. Porque a verdade é que as carraças só chupavam o sangue ruim. Como aliás acontecia com os piolhos – que mais ou menos todos tínhamos… – e por causa deles, – ou das carraças – nunca ninguém se queixou nem arranjou chatices… E mais: -toda a gente sabia que a maioria das mulheres da Quinta até gostavam bastante de catar os piolhos das cabeças dos filhos; ao mesmo tempo que – sentadas em grupos nas soleiras das portas – ao soalheiro – se iam também “catando” umas às outras… e “ratando” na vida das vizinhas… Pegavam os piolhos “à unha” como se fossem moços de forcado, deleitadas depois com o ruído “agridoce” do rebentar dos piolhos entre as unhas dos polegares.

Cá em baixo, na Quinta era onde o pessoal das barracas alinhava, umas atrás das outras, as latas que, de madrugada, iam enchendo da água que escorria da mina. E, enxertada na encosta era a escadaria. Íngreme. Uma escada com degraus feitos de pedaços de madeira. Apodrecidos.
O Vedo morava lá em cima numa morada de casas, junto ao sítio, onde terminava a subida.
A mãe do Vedo era leiteira. Mijava no leite. Toda a gente sabia. Mas ninguém ligava… era costume. Aliás o mijo no leite não deixa sabor – diziam uns – (eu também nunca notei…) nem é coisa que mate – diziam outros – se for em pequenas quantidades e vier directamente da fonte. Não às litradas… ou do penico. Obviamente.
Como andava na “venda”, a mãe do Vedo não tinha tempo para cuidar convenientemente do arranjo da casa: - ao centro da sala havia uma mesa, – que era a peça pivot do escasso mobiliário e o sitio onde, (nem sempre juntos) todos comiam. Em cima dela – da última vez que lá fui – havia, como sempre, pratos com restos de comida, cascas de fruta, talheres, uma garrafa com vinho, um bocado de queijo… E havia também, como de costume, muitas moscas (…algumas grandes, verdes) pousadas nos pratos ou zunindo à volta daquela merda toda.
O gato do Vedo andava por ali e a certa altura saltou para cima da mesa e em parceria com as moscas começou a abocanhar o que restava do queijo…

O pai do Vedo quando se levantou da cama (trabalhava de noite e dormia até da tarde) veio até junto da mesa e enxotou o gato que saltou para o chão a lamber os bigodes. Depois, entre dentes, resmungou qualquer coisa (só percebi as palavras merda e pequeno almoço) agarrou no resto – nojento – do queijo que o gato deixou, meteu-o na boca e começou a comer…

…Ultimamente, enquanto de manhã, vou lendo os jornais, lembro-me, muitas vezes, dos restos do queijo que o gato do Vedo deixou… iguais afinal aos restos, abocanhados, dos festins que enxames de moscas nojentas, grandes e pequenas, deixam, depois de empanturradas, na Mesa do Orçamento… E que o povo que trabalha, come. Tem que comer. Para matar a fome. Se quiser sobreviver. 
11 abril 2006
  TU QUOQUE?

Há vários dias que não vinha à blogosfera. Vim cá hoje: li um post do meu neto na Praia que transcreve um texto do Pacheco Pereira, sobre Coimbra. No comments; não vale a pena: “A Bruptus” nada os demove… Contudo… O que é que diz o post? Em Coimbra “apenas o Direito é rei e senhor”? Thank(s) God. 
salvadorprata@netcabo.pt

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