MEUS QUERIDOS NETOS II
Venho falar-vos hoje de dois aniversários:
- O dos meus 84 anos; e,
- O dos 58 que já leva o meu casamento com a avó Ilda.
A PRENDA DA RITA
Antes do mais – e até porque já devia tê-lo feito há muito tempo – quero agradecer à RITA a prenda que me ofereceu no dia do meu aniversário.
Contou a Avó Ana que a Rita, preocupada, enquanto ia trabalhando na prenda que me queria dar…
perguntava, sem desviar os olhos do que estava a fazer: - Oh avó achas que tenho tempo de acabar? É que, na Escola, o dia em que fiz 84 anos –
24 DE OUTUBRO DE 2006 – tinha sido muito complicado e a Rita não tinha podido trabalhar na prenda que, de surpresa, tinha pensado dar-me, nesse mesmo dia, à hora do jantar.
Só por isso: - pelo esforço e, sobretudo pela aflição em que esteve – sem saber, se a podia ou não acabar, – a tempo de ma entregar – a prenda da Rita não tem preço...
Obrigado meu amor.
…
Sentada, muito direita, de costas no restaurante. Quando cheguei, “senti” que ela me tinha “sentido” chegar. Não se mexeu. Via-se que estava tensa, não se voltou, não levantou os olhos. Aproximava-se o momento de me dar a prenda que tinha a seu lado, em cima da mesa, cuidadosamente guardada numa capa. E em certo momento – depois dos parabéns, das parvoíces de circunstancia e das hipocrisias da praxe – no momento certo, serena e determinada, a Rita levantou-se, agarrou na prenda e sem nunca levantar os olhos, como se estivesse a cumprir um ritual solene, entregou-ma como se a oferta fosse qualquer coisa de si mesmo…
Obrigada, Rita, mais uma vez. A recordação da tua imagem ao entregar-me a prenda vai ficar para sempre, indelével, gravada dentro de mim.
…E talvez que, mesmo decorrido que seja muito tempo e (embora já mal te lembrando de mim) se puderes ainda, ler o que agora escrevi – irás ter também saudades (tal como eu já tenho de ti e dos teus irmãos) dos netos que vocês um dia irão ter… – quando um dia um deles te oferecer, solene – como tu fizeste agora (como quem deposita um bouquet de flores na campa dum defunto) – a prenda de aniversário dos teus 84 anos...
O ANIVERSÁRIO DE MEU CASAMENTO COM A AVÓ ILDA Aos 18 anos, quando a vossa avó era uma (linda) rapariga.
ACONTECEU PORÉM
QUE A VIDA
POR MOTIVOS QUE, SEM MOTIVO, POR VEZES A VIDA TECE
De repente, se lhe transformou num pesadelo… E à rapariga feliz, irradiando vida, querida por toda a gente, pura e sem pecado… aconteceu-lhe o que nem o diabo teria podido imaginar…
…Era ainda tempo – tempo maldito – do poder absoluto do pater família…
E certo dia, ainda manhã cedo, e mal acordada – foi levada, de surpresa e sem saber que tinha sido condenada à revelia, a cumprir pena de degredo e residência fixa, numa terra distante. Tendo-lhe assim sido brutalmente interrompido o curso de Letras que tinha começado, com anotação de qualidade feita pessoalmente pelo Prof. Delfim Santos.
CERCA DE DOIS ANOS DEPOIS,
NO DIA 3 DE NOVEMBRO DE 1948
FEZ 21 ANOS
E com a maioridade, chegou também, finalmente a LIBERDADE e o fim da pena de desterro e cativeiro: correu para junto do noivo que – embora tanto tempo, sem notícias e sem ter podido vê-la – continuava esperando por ela.
NO DIA 23 DE DEZEMBRO DE 1948
CASARAM
Porém,
EM 13 DE JANEIRO DE 1949
Já a má sorte condenava os dois a novo desterro e residência fixa, por mais cinco anos noutro lugar não muito distante do lugar, do qual – 8 semanas antes, a MAIORIDADE a tinha libertado. E para sobreviver, para ali ficaram. Enterrados vivos. Longe de tudo e de todos. Só os dois. Sem mais ninguém.
Como se lhes tivessem rogado uma PRAGA, ou fosse uma MALDIÇÃO.
Não quis Deus que alguma vez tivessem sido reveladas as razões (ou alguma vez tivessem sido perguntadas ao carrasco executor) da sentença sem crime que Deus permitiu.
Porque aconteceu o que não era possível que pudesse acontecer?
Terá sido Praga ou foi Maldição? Ou foi, simplesmente,
A FORÇA DO DESTINO?
Hoje, perto do fim continuo a perguntar-te – a Ti, meu Deus: - Porquê? Terá sido para por à prova como forte e puro era o nosso amor? E se assim foi, espero que lhe dês, a Ela (à mulher que por mim deixou tudo e que, durante 58 anos ficou junto de mim), a recompensa justa pela Vida que eu, sem culpa, não lhe deixei viver... E peço-te também, mais uma vez – como todos os dias peço à Virgem Maria, minha e Tua Mãe – Que, quando chegar a hora de a levares, a guardes bem junto de Ti. Que ela bem o mereceu. Tu sabes…
MÃE E AVÓ DE ELEIÇÃO
NO DIA 3 DE NOVEMBRO DE 2006 FEZ 79 ANOS
NÃO MUDOU
ILDA
Por tudo o que fizeste pelas nossas filhas e netos: - de renúncia e dádiva de ti mesma, e por mim que sempre te amei, mas que não te mereci.
Partilho contigo, em acto de contrição, – e porque és tu e não eu que a merece – como prenda de aniversário do nosso casamento, a prenda de aniversário que Rita me deu no dia em que fiz 84 anos.
PARABÉNS