Buba
31 outubro 2003
  Portugal e o Futuro - Spínola e Maria José Morgado Dois historiadores portugueses, consagrados, escreveram: um, Como nasceu Portugal; outro, Raízes de Portugal. Spínola começou, em Portugal e o Futuro, a escrever a história de Como Morreu Portugal, 1ª parte (prelúdio). Maria José Morgado começou a escrever a 2ª parte (epílogo), O Futuro de Portugal. Voltamos dentro de momentos. 
29 outubro 2003
  À tripulação do Barnabé, o meu OBRIGADO Lá de cima do farol que instalou n’A Praia, para poder também espraiar a vista e deixar por vezes divagar o sonho, alertou-me o Ivan de que havia «mouro na costa»… Afinal não havia perigo - era o corsário amigo, Barnabé, a navegar ao largo, no mar alto, a emergir do nevoeiro, as velas enfunadas a todo o pano, cortando, como um sabre afiado, as águas revoltas do oceano, no meio da borrasca desfeita, na busca de novos ideais e de outros homens de boa vontade.
Lá em cima, na gávea do mastro grande, de óculo de longo alcance assestado, perscrutando o horizonte, ia o Daniel que, ao avistar o farol da Praia, se aproximou da costa, mandando disparar uma salva de ordenança em saudação pelos 81 anos do avô do Ivan, de que soubera por notícia, via blog.
Sonolento, ainda mal acordado pelo ribombar da salva, o velho blogger, noctívago impenitente, lá de baixo, da Praia, onde estava ainda deitado - guardado pelo Buba, o seu fiel cachorro e confidente -, soergueu-se e acenou a agradecer as felicitações do Daniel. E, oportunista - e agora já desperto -, transmitiu, também via blog, o teor da mensagem que se segue, com o pedido ao Daniel de que - com um grande abraço e desejos de boa viagem - dela desse também conhecimento aos restantes membros da tripulação do Barnabé:
Aproveito para agradecer ao meu neto, Ivan Nunes, a ajuda e a «publicidade» que - com prejuízo próprio - tem vindo a dar ao Buba; e dizer-lhe que, parafraseando o que ele, algures, leu num cartaz no Rio de Janeiro e disse de mim, eu também digo dele: «perder para o avô, isso sim é que é vitória. Para o meu neto, Ivan, tem sido sempre assim.» E, pedindo-lhe desculpa pelo revelar de coisas que são só de nós dois, património íntimo comum, vou transcrever para o Daniel e para a guarnição do Barnabé, quase na integra, um e-mail que lhe mandei quando o Buba nasceu, e em anotação e agradecimento ao post que o Ivan então escreveu, referindo-se a mim, na Praia, sob o título de «Parceiro na blogosfera».

“De Salvador Prata para Ivan Nunes, sábado, 20 de Setembro de 2003, 3h26. Assunto: Aleluia
Sacana:
Comoveu-me este reencontro e o retomar da troca de «bicadas» escritas (agora, graças aos blogs) que ensaiavamos quando ainda mal tinhas acabado de aprender a escrever e eu (enrodilhado por uma vida que nunca foi a minha, nem nunca foi querida) já quase me tinha esquecido de como era escrever.
Já passou tanto tempo e, no entanto, como se não tivesse passado, ainda te vejo, como se a cena estivesse, neste momento, a acontecer, aplicado, absorto, nariz em cima do papel, língua mordida a espreitar entre os dentes, a escrever, em letra miúda e sem erros, prosas intermináveis.
Os anos passaram… e, ao chegar ao final da maratona, na última volta, já dentro do estádio e com a meta à vista, é graça de Deus ver-te com o teu blog, vigoroso e esclarecido, como hoje aconteceu, a amparar o meu, trôpego e atoleimado, para que eu caia de pé, quando chegar ao fim da corrida.
É qualquer coisa que, só por si, prova que Deus existe, se não no outro mundo, pelo menos neste, dentro de cada um. Mas isto, eu sei, só poderá começar a perceber-se, tal como me aconteceu, quando os anos e a vida tiverem passado, sem darmos por isso e olharmos para as mãos cheias de nada e de dúvidas, só restando a alma, ainda com esperança e a pedir-nos fé.
Para além disso, parece-me que, para além do Buba e da Praia, o mundo dos blogs e da alma humana a céu aberto vem aí. E que mais virá depois? Tenho agora menos dúvidas e menos receios, muita esperança e muita fé, nos homens e nos blogs, para os tornar mais fraternos, mais autênticos, mais humanos em suma. O Avô.” 
24 outubro 2003
  PARABÉNS Hoje é dia do meu aniversário. Parabéns ao Kofi Annan. Peço, para ele, os vossos aplausos. 
22 outubro 2003
  SERMÃO AINDA AO JEITO DE VIEIRA: KAROL WOJTYLA, JOÃO PAULO II, SEM PERDÃO Os Descobrimentos trouxeram ao mundo uma nova Humanidade, até então desconhecida, o que levantou na Europa de seiscentos o problema de saber:
Os índios também são homens?
E logo duas correntes se perfilaram a dar-lhe resposta: uma divinizando o selvagem; outra, preconizando o massacre. Heréticas, ambas fizeram correr rios de sangue.
Questão posta, porém e em rigor, fora de tempo, mais própria de ser posta por gentes, elas sim, selvagens, ignorantes, malvadas e sem fé, como eram os homens que a puseram. Pois que era verdade que, já muitos séculos antes, no Primeiro Concílio de Jerusalém, quando São Pedro, São Paulo e São Barnabé discutiram se a boa nova deveria ser levada a todo o mundo ou apenas à Judeia, tinham concluído que a fé em Cristo é património de toda a humanidade, estende-se à terra inteira… princípio que Santo Agostinho (354 a 430) expressou de maneira luminosa: “desde o primeiro homem… até ao último homem”. Todos eram homens… Era o conceito de humanidade do Cristianismo, onde cabiam todos os homens e, desde então, perante Deus e por obra da Igreja, todos eram iguais.
Na América, a dúvida volta mais tarde a ser posta, não já quanto aos índios, mas agora quanto aos que os exterminaram: os colonos e colonizadores dos povos e das terras do continente americano.
E Luther King pergunta-se, implicitamente, pela primeira vez: os brancos também serão homens?
Pergunta ímpia e provocatória que a América de sempre, visceralmente colonialista e esclavagista, nunca pôde nem pode tolerar. Mataram-no.
Índios e negros e, para além deles, mais todas as outras “raças inferiores” que para além destas existem: miseráveis, famintos e doentes, sem armas e sem dinheiro, que importa segregar em “ reservas” urbanas ou coloniais em terra alheia, ou exterminar impiedosa e implacavelmente, não só na América como em qualquer parte do mundo. De maneira idêntica à chacina que entre os índios fizeram os antigos pioneiros, colonos e colonizadores, seus antepassados.
Os bombardeamentos de Hiroxima e Nagasáqui, em 1945, e de Bagdad em 2003 vêm de novo e inesperadamente mostrar ao mundo uma nova Humanidade. E na Europa do séc.XXI volta agora a pôr-se o problema: Os americanos também serão homens? That is the question. Now.
A dúvida só terá resposta - se tiver - quando na América, na linha de Luther King, os americanos se puserem finalmente a si mesmos tal pergunta. Porque enquanto o não fizerem - nem da necessidade de o fazer tomarem consciência - e a tragédia universal, para eles, ficar ao nível das Torres, continuarão a correr rios de sangue até que, finalmente, as bombas atómicas comecem também a cair do céu na América e os exterminem a eles também.
E depois… um dia virá em que nós todos - pretos, brancos e amarelos, tudo desfeito à nossa volta - nos perguntaremos, finalmente abraçados uns aos outros, quando isso já talvez não tiver interesse:
E nós, os homens, todos, seremos gente ou seremos animais? Ou piores do que animais?

Nas masmorras do Inferno, em cumprimento de sentenças – do Tribunal do Tempo - de prisão perpétua e de eterno sofrimento, pela prática de crimes hediondos contra a Humanidade, jazem, entre outros, alguns dos criminosos mais recentes: Truman, Hitler, Churchill, Staline… arrastando as grilhetas…
Bush, Blair, Sharon, Arafat e outros, condenados já pelo Tribunal da Opinião Pública, aguardam o julgamento final em liberdade.
JOÃO! Deus vai também julgar-te, em breve. Como, a seu tempo, nos vai julgar a todos nós.
E eu pergunto-te, agora, ao fim de 25 anos de Papado: achas que foste na Terra o Vigário de Cristo? Ou será que foste só mais um Papa e chefe do Estado do Vaticano?
Tu, o Papa, andarilho impenitente, que beijaste sempre a terra onde foste, não foste a Bagdad, como Deus te mandou que fosses, para beijar as crianças e ficar junto delas. Tu, que eras a Sua única esperança - na força e na certeza da tua fé em Cristo, se a tivesses - que podia ter detido os assassinos. E não foste.
João, porque o não fizeste? Porque traíste?
Devias ter ido. E ter ficado, erguendo ao céu, bem alto, na tua mão direita, a cruz de Cristo e, com a esquerda, abraçando contra o teu peito as crianças (deixai vir a mim as criancinhas, disse Jesus), a impedir que Bush, qual Satanás, as mandasse assassinar. Ou tivesse que te matar a ti primeiro. Que morrerias por amor delas e por amor dEle, em glória, como Ele morreu por nós.
Bagdad devia ter sido, e não foi, o teu Calvário e a tua Golgota, onde devias ter bebido, como a Ele fizeram beber, vinho misturado com fel… teria sido e não foi a tua coroa de glória como a dEle foi a Coroa de Espinhos, e, se o teu sangue fosse misturado com o sangue das crianças, seria purificador tal como o foi o Sangue de Cristo derramado.
E é isso, João, que, no íntimo, muitos de nós, católicos ou não, pensamos que devias ter feito. E tu não o fizeste.
E se o tivesses feito podias ter sido maior que Luther King e que Gandhi e igual a São Paulo, a S.Pedro e a Santo Agostinho. Mas achaste preferível, mais cómodo e mais seguro ficar no Vaticano, a ver o massacre pela televisão e a rezar pela alma dos que entretanto iam chegando ao Céu.
João, preciso saber a verdade,
Quero que me respondas. Em confissão.
Peço-te que não recuses,
Dá-me a tua tiara
Ajoelha-te aos meus pés. Abre a tua alma.
Eu, teu irmão, homem como tu e como tu pecador, vou ouvir-te em confissão:
Em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo, Ámen
Confessa-me, João: Eu tenho fé em Deus, sem saber se Ele existe. E tu? Tu acreditas em Cristo? Ou só acreditas em ti, como se fosses tu próprio o Padre Eterno e o próprio Tribunal da Santa Inquisição?
Porque ofendeste a Deus, não indo a Bagdad, não como os cruzados de outros tempos a converter os infiéis, mas inerme, sem armas, levando só na mão a cruz de Cristo, mostrando ao mundo e ao Islão a tua fé em Deus, dando - tal como Ele fez pelos humilhados e ofendidos, indefesos, para Ele, infiéis ou não, todos iguais - a própria vida, e mostrando assim - Urbi et Orbi - a superioridade singular do Cristianismo e da tua Igreja? Faltou-te, João, faltou-te – embora o tivesses pregado - o sentido ecuménico, a total entrega a Deus e a dimensão Humana de S.Paulo, S.Pedro e S.Barnabé.

Ouvi do teu arrependimento por tudo o que não fizeste, ofendendo a Deus. Disso Deus te julgará. Mas não ouvi do teu arrependimento do muito mal que fizeste ao mundo e a todos nós: lembra-te do aborto e do preservativo, para citar só dois dos teus crimes, sem perdão.
Reza, arrepende-te. Penitencia-te e pede a Deus que te perdoe… pelas ofensas que a Ele, e não a mim, fizeste.
Que eu, em nome da minha consciência, e em nome da consciência de quantos ofendeste, não posso dar-te a absolvição.
E se também Deus – e a tua consciência - não puderem perdoar-te os crimes que cometeste contra Deus, contra a mulher e contra a Humanidade, pede misericórdia à Santa Madre Igreja…
E se o remorso te deixar, requiescet então, in pace, no Seu sagrado seio. Eternamente.

Mas antes disso, antes que tudo acabe, e para que eu possa realmente saber quem tu és: Confessa-me ainda, João, responde-me ao que, quando chegar a hora da verdade, Deus te vai certamente perguntar, pensando talvez também nos crimes que cometeste:
Tu afinal és um homem ou és um animal?
De ti, João, fica-nos a imagem, sem grandeza, de um homem solitário, inexpressivo, talvez sem alma, paramentado, por vezes ricamente, com as vestes pontifícias da Igreja, a viajar incessantemente, como que em busca de si próprio, entre os fiéis, mas separado e temente deles, entrincheirado dentro duma espécie de marquise ambulante, envidraçada com vidraça branca, transparente, à prova de bala. É a imagem que vai ficar de ti, do Vigário de Cristo na terra e Seu representante. Insuportavelmente ridícula. E humilhante… A sugerir, ainda que vagamente, um animal selvagem, perigoso, encerrado dentro duma jaula, a ser exibido à multidão, ajoelhada, como que receosa de ti, a pedir a Deus, na intimidade da oração, a protecção divina.

Quando se é velho, acodem as coisas ao espírito, vindas não se sabe de onde e sem se saber porquê: no palco do Avenida, na Coimbra dos anos 40, representava-se uma peça, O Governador, de autor consagrado, e tudo nesse tempo era trabalho e tempo – perdido – do Paulo Quintela. A peça confabula um governador civil atarefado, inesperadamente atacado por um desconhecido que se introduziu no seu gabinete. No fim de ameaças dramáticas e suspense a condizer, em que o governador protagoniza as atitudes mais abjectas e degradantes, irrompe finalmente pelo gabinete dentro uma equipa médica dum hospital de loucos, donde fugira o suposto, mas inócuo, criminoso.
Reposto do susto e da provação, o Governador suspira finalmente aliviado. E murmura, entre dentes: “Mas que grande filho da puta…”
Quando alguém ler o que acima escrevi sobre o Papa – se isso vier alguma vez a acontecer - estaremos já os dois, eu e ele, no Céu - ou no Purgatório - talvez a ponderar, serenamente, e então já com mais informação, sobre se de facto Deus existe ou Jesus estava enganado…
E, quando nos chegar aos ouvidos o comentário do excêntrico que se tenha dado ao trabalho de ler o meu sermão até ao fim e, tal como o Governador - e nos mesmos termos, “pouco católicos” -, tenha desabafado, vejo-nos aos dois - eu e o fiel defunto, João, já no outro mundo, a rir gostosamente, dando palmadas nas costas um do outro, e a escogitar a qual, de nós dois, se quereria referir o leitor do meu Sermão, à maneira de Vieira. 
17 outubro 2003
  AINDA VIEIRA Conhecido, sobretudo, pelos sermões, a parte mais válida e mais nobre de Vieira não foi essa, mas a que poderia sintetizar-se em um sermão que começa na esteira de Las Casas: “sabeis, cristãos, sabeis, nobre povo do Maranhão, qual o jejum que quer Deus de vós, esta Quaresma? – Que solteis as ataduras da injustiça e que deixeis ir livres os que tendes cativos e oprimidos…”
É sobre o preceituado para as relações entre senhor e escravo que se celebrizaram, pela premência patética, em Vieira, nos Sermões, em que condena as sevícias praticadas, tanto contra os escravos de raças indígenas, como contra os vindos para o Brasil, de Angola, Guiné e São Tomé.

Refira-se, entretanto, que uma corrente dentro da Igreja, desde São Tomás de Aquino até Fr. Francisco de Vitória, o criador do direito internacional, assentava sobre o princípio “Jus divinum quod est gratia, non tollit jus humanum, quod est ex naturali ratione” ou, mais simplesmente: “gratia non tollit naturam”- a repulsa da coacção da força sobre a liberdade da consciência.
E, entretanto, até mesmo a Thomas More não repugna a escravatura que aceita na "Utopia".
Por isso os seiscentistas não podem ser culpados de, como dizia Hernâni, serem herdeiros da cultura greco-latina, e depois da cristã, que admitia a escravatura.
Pois que, em abono e defesa deles, diremos ainda continuarem alguns - esses sim, sem desculpa e sem perdão, não sendo herdeiros de tal Cultura, mas da Kultur, e que ostentam às portas da sua “casa” a estátua da Liberdade - a ser esclavagistas, piores que os de seiscentos. Pois que não só privam da sua Liberdade pessoas inocentes (como em Guantanamo e pelo resto do mundo), mas condenando-as, sobretudo em África, quais negreiros da era atómica, à morte pela doença e pela fome.

O Padre António Vieira nasceu em Lisboa a 6 de Fevereiro de 1608, morreu na Baía a 17 de Julho de 1697, jazendo o que resta dele na Quinta do Tanque do Colégio Jesuíta do Salvador.
A família de Vieira, de Moura, não era abastada nem nobre, sendo que a Inquisição o mais que averiguou dele foi que tinha sangue negro de uma avó paterna, mulata.
O prestígio alcançado em Roma, onde a rainha Cristina da Suécia o tomou como conselheiro e o nomeou seu pregador, permitiu-lhe obter, do Pontífice, o Breve de 1675 que o isentou da jurisdição da Inquisição portuguesa - que sempre tenazmente o perseguiu -, ficando sujeito apenas à congregação do Santo Ofício, de Roma.

Os descobrimentos trouxeram ao mundo uma nova humanidade: os “Índios” - assim chamados pelo facto de terem inicialmente acreditado, os descobridores, que tinham chegado à Índia -, centenas de tribos dispersas, constituídas por nativos da América, das quais as mais importantes são – ou eram - os apaches, os sioux e os comanches. Foram chacinados, expulsos das suas terras e empurrados para as chamadas reservas (que actualmente os americanos exploram como atracções turísticas); tal como no Portugal de Durão (como nunca o fez o Portugal Fascista) se expulsam os “índios brasileiros” indocumentados: dentistas, médicos, empregadas domésticas, em suma, os brasileiros que trabalham, não os capitalistas amigos dele, que, tal como ele e os seus amigos Bush, Blair e Aznar, só respeitam os direitos da força bruta e do dinheiro. Sem respeito pelo direito do Homem - de todos os homens indocumentados ou não, por leis contra natura e contra a Humanidade - de, pelo trabalho honesto, lutarem por uma vida melhor e mais digna como seres humanos. E que as nações chamadas livres, na Europa, limpam de si como excrementos.
Numa União Europeia que nasceu do sonho de Jean Monet para evitar a guerra. E que morreu, definitivamente, assassinada por Bush em Bagdad. 
08 outubro 2003
  AMÁLIA Quem alguma vez ouviu a voz de Amália como se fosse a sua própria alma a dizer-nos, por vezes, quase em segredo, da beleza sublime do amor e da paixão e até do sofrimento e da Saudade… não mais poderá esquecê-la.
A Amália morreu. Há quatro anos. Amália, de quem a voz - que Deus entretanto lhe roubou - a ela e a nós, por não ser dela, ser divina - quando morreu, já a sua voz tinha subido ao céu.
Dela já só restava a mulher que, entre as mulheres, sempre foi de rara dimensão humana.
Amália morreu, mas não morreu a nossa Amália. Essa está viva, e lá, de algures no infinito onde se encontra - às vezes, quando Deus permite, ouvimos-lhe a voz, inconfundível, ao longe, muito ao longe, mas como se estivesse viva, a cantar dentro de nós. Quase em segredo, da beleza sublime do amor e da paixão. E da Saudade.

Passaram quatro anos.
O tempo… dizia Vieira, “atreve-se ele a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera…”
Como ao mármore, atreve-se o tempo ao coração, mas não se atreve, nem pode atrever-se - sei-o eu e digo-to, Vieira… - ao que é eterno e está lá, bem fundo, dentro dele: o amor e a paixão. E a Saudade.


O TRATADO DE WINDSOR E O ADITAMENTO “LUSO”- INGLÊS
ESCUTA-ME VIEIRA, vou contar-te uma historia verdadeira:
Há anos, há muitos anos já, em 42, estava, uma noite no CAFÉ LUSO, a ouvir cantar o FADO.
Comigo, como com frequência acontecia, estava o John Almond, Oficial da Royal Navy com quem eu tinha feito um “trato”: em troca de inglês, eu ensinava-lhe português. Em cumprimento do acordo e como de costume, eu ia tentando traduzir, para que ele as entendesse, as letras dos fados que os artistas entretanto iam cantando.
O John adorava “ir aos fados”, e porque era, de facto, um gentleman, embora mal percebendo, por vezes - estou certo -, as minhas péssimas e “atamancadas” traduções, nunca me pediu que as aclarasse.
Só uma única vez isso aconteceu: naquele noite, no LUSO, eu saltei uma palavra à tradução. O John tocou-me no braço, e perguntou-me: what is SAUDADE?
Olhei para ele.- A mulher continuava a cantar, em tom plangente, uma história parva das saudades de um cego, dos tempos em que podia ver. Estupidamente, bem à portuguesa, a garganta apertada, sem motivo - u por ter sido despertada em mim, qualquer recordação -, não fui capaz de articular palavra.
Terá sido, julgo eu, nesse momento, nessa noite, no LUSO, a ouvir cantar o fado, e ao ao ler, talvez, em mim a “tradução” que nasceu entre nós uma forte, sincera e duradoura amizade.

Passados meses ao despedir-se de mim nos Restauradores, antes de deixar o British Council, para ir juntar-se à guarnição do H.M.S, Maidstone, disse-me e eu senti que era verdade: vou ter SAUDADES tuas.

Mais tarde, passados muitos anos, em 1958 - e entretanto eu nunca mais o vi o John - ainda me escreveu, pela última vez, dos Estados Unidos, onde então vivia com a família, a dizer-me: em inglês/ português: I would like voltar in Lisbon. Nowadays, tenho SAUDADES DO FADO…

Também eu, e outros, muitos, talvez milhares como eu
Passados 4 anos,
temos SAUDADES DE AMÁLIA. 
01 outubro 2003
  MINISTÉRIO PÚBLICO E POLÍCIA JUDICIÁRIA A propósito da manchete do DN:
A indispensabilidade da intervenção do juiz para que possa efectivar-se a prisão preventiva resulta da concepção de que só o poder judicial tem legitimidade para privar alguém da liberdade. Mas, se não se discute o princípio, não deixa de entender-se que o exercício de tal poder só pode verificar-se mediante sentença proferida em julgamento efectuado em tempo e sede própria. Com ressalva, como é óbvio, do interesse e ordem pública.
Afora essa hipótese, não é concebível continuar a aceitar-se que as instituições democráticas estarão a funcionar normalmente (entretanto presume-se que o Presidente da República assim o entende) enquanto, ao abrigo da lei, possa um magistrado, arbitrariamente, e eventualmente sem sólidos fundamentos, ordenar a prisão de um cidadão convocado a depor como testemunha. – e, enquanto continua a mesma lei a mandar presumir que esse mesmo cidadão está inocente até que em julgamento a presunção venha, por sentença transitada, a ser eventualmente ilidida.
Aceitar tal contradição pacificamente - bovinamente - não é prestigiante: não prestigia o Ministério Público, não prestigia a Ordem dos Advogados, não prestigia o Provedor de Justiça, como não prestigia o próprio Regime.
Porque, ou prevalece o critério legal da presunção de inocência, incompatível com a imposição de uma pena de prisão efectiva (mau grado mascarada com outro nome qualquer), ou prevalece o critério pessoal do juiz, da presunção de culpa com base na qual manda prender.
E se o juiz fizer prevalecer a sua presunção pessoal, neutralizando a presunção legal, a situação concretizará não só uma auto-violação da lei ordinária (violação da lei por força da própria lei) como viola direitos fundamentais, constitucionalmente consagrados.
Quer dizer, o poder judicial abstractamente estruturado na óptica do seu exercício pelos tribunais, através de sentenças apuradas mediante julgamento, vem, na prática processual, a estender o seu manto imunizante a actos avulsos do juiz, praticados ao sabor de critérios meramente pessoais, e indevidamente deduzidos adentro de uma área técnica especializada - a da investigação policial - que não é, nem deve ser, a que corresponde à especificidade singular do “ofício” de julgar.
Da situação decorre que, por erro – por vezes grosseiro - do magistrado (e exactamente porque a decisão é proferida numa área em que é leigo), qualquer pessoa convocada para depor como testemunha num processo pode ficar cativa, sem saber porquê, sem prazo e sem defesa possível (emparedada a presunção legal de inocência entre a irresponsabilidade do juiz e o segredo de justiça). Donde que nem aos próprios advogados é permitido o conhecimento da natureza dos factos que conformaram o crime em que se baseou a decisão judicial para efeitos de contestarem, em defesa dos seus constituintes, a validade dos fundamentos de tal decisão.
Sobre o assunto, entendo que os magistrados não devem ser “enxertados” na investigação, seja qual for a sua fase, como se fossem donos da Justiça e senhores únicos da Verdade, ou “infiltrados”, tal como os “Olhos e Ouvidos do Rei” entre os Persas, para vigiar, controlar e superintender o trabalho da Policia Judiciária. A verdade é que não é, nem pode ser, essa a sua função.
Estão vocacionados e especializados para julgar em sede própria e em momento próprio; e não podem transformar-se ou ser transformados numa espécie de almocreves da Justiça que andem a cirandar pelos processos sob a alçada da Polícia a largar sentenças avulsas, em regime ambulatório.
Como não é admissível que alguns - incluindo o Procurador Geral da República - nos intervalos das suas actividades e na rua, entre nuvens de microfones, vão dando umas “bocas”e palpites sobre se testemunhas que ainda nem sequer foram ouvidas (caso do Herman José) irão ou não ser arguidos, avacalhando a dignidade das funções e fazendo manifestamente concorrência (desleal) na promoção da imagem às stars da Olá e na conquista de audiências às estações de televisão.
Não se pretende ironizar - não podendo, no entanto, deixar de inquietar a apetência de certos magistrados para a intromissão na actividade policial. Essa é talvez uma área de problemas que melhor caberia a um Departamento Oficial de Reclassificação Profissional que permitisse que os agentes do Estado – e não só do Estado – fossem profissionalmente reciclados e inseridos em actividades para as quais demonstrassem gosto e aptidão. 
salvadorprata@netcabo.pt

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