Buba
27 maio 2005
 
                                 Bento. Juraste as duas. Qual é a tua cruz?


Cisma II
            

Bento. Penso que, premeditadamente, foste o autor do maior show mediático de sempre, dando o papel de vedeta, inocente, ao João Paulo II. Traíste-o, traíste a Igreja e traíste Jesus que, quando percebeu que eras tu o novo Papa, fugiu de ti como o diabo da cruz. Logo que possa voltarei a falar contigo... 
15 maio 2005
  A imitação Da minha filha Ana chegou-me há já alguns dias um e-mail, dando-me conta da existência de um cantor, pertencente a um grupo de fados e guitarradas de Coimbra, que, acha ela, canta maravilhosamente o Adriano.
Não sei o que terá tal grupo a ver com o fado de Coimbra ou se não será antes, como por vezes acontece, uma qualquer imitação comercial da futricagem. Se não é, tanto melhor.
Seja o que for, foi bom como pretexto para recordar o Adriano.
E a propósito deixa-me filha que te conte - ou, se já contei, te recorde - que eu e o Adriano, embora em tempos diferentes, "andámos" ambos na Rás-Teparta, em Coimbra.
Conheci-o – já lá vão bastantes anos – e logo nessa altura percebemos, malgré a diferença de idades, que pertencíamos à mesma geração - intemporal, sem dogmas, sem tabus - geração que defendeu sempre e acima de tudo a Liberdade.
E percebemos isso logo que ele me disse: "Já te conhecia pela silhueta que tens gravada na escada da República". "Ah, sim? E tu quem és? Não te conheço", respondi eu. E começámos assim o nosso primeiro encontro, com uma gargalhada.
Acabámos o serão com outros "Rases", antigos e modernos, em casa do Ângelo Araújo e, lá chegados, como se fosse a República, ocupámos uma sala, fechámos a porta à chave e, de seguida, fomos tirando desde os sapatos até ao mais que a cada um apetecia, para ficarmos à vontade ...
E, enquanto isso, e desde logo, alguns de nós íamos pegando na guitarra (esse instrumento que faz lembrar, nas suas formas, o corpo da mulher): pescoço e tronco esguios, ancas um tanto largas, generosas, e, na frente, as cordas, esticadas, passando ao meio, pela abertura, como se fosse entre as pernas.
E, como nos tempos de Coimbra, tempos da memória de cada um de nós, começámos apertando as guitarras ao peito - como se fossem a mulher amada que, ao sentir nas suas cordas retesadas o nosso dedilhar, se contorcesse e soltasse gemidos surdos de prazer, queixumes, enquanto nós, a pouco e pouco, nos íamos indo com elas, alheados, balbuciando, como quem fala sozinho, falas soltas, sem nexo, sem sentido, entrecortadas, ensaiando acordes, pedaços de cantos, misturados com sons, felizes como crianças na praia brincando em lagoas pequeninas de água límpida e tépida, aquecida pelo sol e a espreguiçar-se docemente como alguém quando acorda de manhã… Enquanto os sons das guitarras, em crescendo – acompanhados pelos sons graves das violas - vinham derramar-se em sonhos dentro de nós no silêncio branco da madrugada.
… Que o Adriano morreu, dizes tu? Não sabes o que dizes, Deixa-o andar. Anda lá na vida dele e aparece qualquer dia e pode acontecer que Deus apareça também e venha de novo - como por vezes acontecia - sentar-se no chão junto de nós a ouvir na penumbra os lamentos das guitarras. E chore… tu sabias que Deus por vezes também chorava, comovido, ao ouvir cantar o fado de Coimbra?

Ana. Depois do que te contei, compreenderás que para mim o fado de Coimbra só é autêntico quando a alma dum estudante ganha voz, a cantar o seu amor à mulher amada; e que as suas vozes são únicas, inimitáveis, como é inimitável o trinar sofrido das guitarras perseguindo, loucas de amor, as vozes dos estudantes.
Por mim, também eu me fui quantas vezes, como que a voar pelo infinito, ao ouvi-los cantar, como se contassem segredos, encostando, os seus lábios aos castos ouvidos da mulher amada…
E ainda hoje, filha, ao ouvir a voz do Adriano, volto a ir-me com ele, como se fosse ainda estudante com vinte e poucos anos a sonhar, como sonhava nesse tempo, com a rapariga a quem, um dia também, no fim dos tempos, irei finalmente segredar o que nunca - por vergonha, acanhamento, ou sei lá porquê - fui capaz de lhe dizer: do imenso amor que tive e continuo a ter por ela… a tua mãe. 
salvadorprata@netcabo.pt

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